O Professor Joan-Francesc Barquinero Estruch é pesquisador da Universtitat Autonoma de Barcelona (UAB)-Facultat de Biociències, Department of Animal Biology, Plant Biology and Ecology, Espanha. Graduado em Biologia, com mestrado e doutorado em Biologia, tem pesquisado efeitos genéticos das radiações ionizantes, técnicas de citogenética convencional e molecular, marcadores imunológicos para mecanismos de ação sobre moléculas de DNA e efeitos de exposições ocupacionais e radioterapia, dosimetria biológica, radioresistência e radiossensibilidade.
Em 2016, publicou na Plos One “Cell to Cell Variability of Radiation-Induced Foci: Relation between Observed Damage and Energy Deposition” e na Nature Scientific Reports “Differences in DNA Repair Capacity, Cell Death and Transcriptional Response after Irradiation between a Radiosensitive and a Radioresistant Cell Line”. Link para os artigos: BarquineroPlos_One_2016 e Barquinero_2016_NATURE_SR
No XI Congresso da SBBN, Prof. Barquinero proferirá no dia 31 de agosto a conferência “A new model of biodosimetry to integrate low and high radiation doses”.
A entrevista foi realizada pelo Prof. Thiago de Salazar e Fernandes, membro titular da SBBN e pesquisador em Biofísica e Radiobiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com experiência em técnicas de citogenética e de expressão protéica para o estudo do dano biológico radioinduzido, bem como em radiossensibilidade e biodosimetria. No XI Congresso SBBN, Prof. Thiago proferirá no dia 1 de setembro a conferência “Correlação entre doses de radiação e níveis de expressão da proteína p53 em linfócitos humanos”.
Prof. Thiago: Tenho lido alguns dos seus trabalhos e percebo vários pontos de interesse em comum com as pesquisas que realizamos na UFPE. Durante a sua carreira, quando surgiu o interesse pela Radiobiologia? Quem o influenciou?
Prof. Barquinero: No final da minha graduação, fiquei interessado pelo campo da carcinogênese e entrei para o grupo de pesquisa em Citogenética Humana. O meu projeto era avaliar por citogenética um grupo de médicos expostos ocupacionalmente às radiações ionizantes. Fiz cursos especiais de proteção radiológica para entender a parte física do trabalho. A Radiobiologia é uma área transversal, em que não se é possível dominar plenamente tudo, o que requer colaborações e faz com que você esteja sempre aprendendo. Meus mentores, Maria Rosa Caballín e Lleonard Barrios, viam-me mais como um colega do que como estudante, mas aprendi rigorosamente com eles. Depois, vários me influenciaram, como Manfred Bauchinger, Alan Edwards e David Lloyd e, como cientista e amigo, Guenther Stephan. Além de colegas da França e América Latina, não somente professores e pesquisadores, mas também alunos.
Prof. Thiago: Li um trabalho seu sobre um biomarcador de radiossensibilidade, e pergunto quão próximo estamos de um teste laboratorial para predizer se o paciente submetido à radioterapia irá manifestar reações adversas exarcebadas após o tratamento? Qual seria o candidato ideal como biomarcador de radiossensibilidade?
Prof. Barquinero: Estas duas perguntas geram milhões de outras perguntas. Sobre as reações após a radioterapia, minha opinião é que, mais que um simples teste laboratorial, provavelmente só a combinação de diversas informações como a dose recebida, o volume irradiado, as características fisiológicas do indivíduo, testes laboratoriais para avaliar possíveis diferenças de resposta celular, ou mesmo tecidual, tal como apoptose, reparo do DNA, resposta imunológica, polimorfismos genéticos e epigenéticos, é que poderão fornecer alguma informação sobre possíveis diferenças de resposta ao tratamento. Sobre radiossensibilidade, sou um pouco céptico de que haja um biomarcador específico. Primeiramente, temos que definir qual o efeito que queremos medir como sendo um possível biomarcador de radiossensibilidade. Provavelmente, o mecanismo envolvido que leva ao eritema será diferente daquele que leva à fibrose e ambos são diferentes do mecanismo relacionado ao desenvolvimento de um câncer específico. Por esta razão, precisamos entender como estes efeitos surgem, aparte mecânica, e então provavelmente seremos capazes de considerar um conjunto de informações que podem ser traduzidas para a prática real.
Prof. Thiago: Nos relatos de acidentes nucleares, há casos de pessoas que sofreram menos dos efeitos de uma irradiação. O que ocorre? Uma característica genética do indivíduo, uma resposta adaptativa, ou algo dependente do estado nutricional?
Prof. Barquinero: Similar à radiossensibilidade, um fenômeno do tipo resposta adaptativa existe, ou a radioproteção mediada por certas sustâncias nutricionais, mas estas têm sido observadas em sua maioria sob condições experimentais no laboratório. Precisamos avaliar suas implicações na vida real.
Prof. Thiago: Em situações de exames admissionais, certas condições médicas ou mesmo genéticas podem impedir uma pessoa executar uma dada função. Exemplo: um piloto de jato tem como requisito enxergar e distinguir cores, para que não se confunda com os avisos luminosos, pondo a segurança em risco. Biomarcadores de radiossensibilidade ou radiorresisência podem designar qual atividade um dado funcionário pode desempenhar?
Prof. Barquinero: No seu exemplo, acho que não há dúvida quanto ao desempenho da função. Mas para o trabalho com radiações, teríamos este mesmo grau de certeza? Exposições acima de 10 a 20 mSv por ano não ocorrem normalmente. Fora o trabalho, sabemos também que as pessoas não permanecem um ano inteiro na praia de Guarapari, e poucas pessoas estão expostas aos níveis medidos em Ramsar (no Iran). Mas estas são exposições à radiação de fundo. Há maior contribuição de exposições ditas “não naturais” e é lógico pensar que alguns polimorfismos afetam os mecanismos de resposta celular. Mas ainda há uma lacuna no nosso entendimento a respeito dos polimorfismos que levam à “radiossensibilidade” ou à “radioresistência”, e é nosso trabalho preencher esta lacuna. Mas, uma vez preenchida, ainda assim estaremos tratando de efeitos probabilísticos, como o câncer.
Prof. Thiago: Profissionais ocupacionalmente expostos às radiações ionizantes deveriam ter exames laboratoriais mais específicos para avaliar sua real situação de exposição à radiação no trabalho?
Prof. Barquinero: Isto é uma proposta desejável, apesar de que o exame mais específico de todas as pessoas não seria necessário. Algo possível seria fixar as células coletadas de um grupo de profissionais potencialmente expostos a altas doses e, se necessário, analisá-las ao microscópio e coletar novas amostras para fazer a comparação. Também é necessário ter um registro completo das exposições e todas as doses recebidas, bem como levar em consideração se o indivíduo foi exposto por razões médicas, tal como exames de tomografia computadorizada. Pesquisadores da Coréia estão trabalhando neste sentido e têm focado em trabalhadores de radiografia industrial, selecionados com base na contagem de células sanguíneas. De fato, não estamos longe disso. Só depende se o que estamos oferecendo é de interesse, ou melhor, se outros percebem como sendo de interesse, e se é viável ou não.
Prof. Thiago: Voltando para as pesquisas, poderia pontuar um resultado experimental que mais lhe entusiasmou em sua carreira?
Prof. Barquinero: Vários, como a observação da resposta adaptativa celular de indivíduos ocupacionalmente expostos, resultados do envolvimento de certos cromossomos na formação das aberrações cromossômicas radioinduzidas e, mais recentemente, a introdução de novas abordagens com propósitos de biodosimetria das radiações ionizantes. Um momento marcante foi quando realizamos a nossa primeira curva de calibração de aberrações cromossômicas versus dose absorvida e enviamos os dados para Alan Edwards na Inglaterra. Ainda temos a carta dele dizendo que os nossos resultados estavam ok!
Prof. Thiago: Gostaria de encerrar com duas perguntas, uma sobre o passado, e outra sobre o futuro. Quais eventos de descobertas históricas você acha que marcaram a radiobiologia?
Prof. Barquinero: Como biólogo, claro que devo fazer menção especial à H. J. Muller, que foi o primeiro a demonstrar, em 1926, que os raios-X causavam mutações. Como biodosimetrista, pontuo os estudos durante os anos 30 com plantas, por K. Sax, J. T. Patterson e W. B. More, entre outros, que analisaram a indução de aberrações cromossômicas induzidas pela radiação, e nos anos 60, com os artigos envolvendo a quantificação de aberrações cromossômicas em células humanas como um dosímetro biológico, com destaque para os trabalhos de M. A. Bender, D. C. Lloyd e seu colega A. A. Edwards e M. Bauchinger.
Prof. Thiago: E para a perspectiva do começo de novas pesquisas: qual o futuro da Radiobiologia?
Prof. Barquinero: Radiobiologia é um tópico amplo, portanto, substâncias que seletivamente protegem o tecido normal durante a radioterapia, assim como substâncias que podem tornar os tumores mais sensíveis, são áreas promissoras. Outras áreas são: o desenvolvimento de substâncias que minimizem os efeitos da síndrome da radiação; entendimento do impacto biológico da contaminação interna; impacto de radioterapias que acabam de surgir (terapias com partículas); indução de senescência e apoptose. Portanto, na medida em que se vai discutindo a lista vai aumentando. As novas ferramentas de genômica irão nos dar novas perspectivas com novos resultados, mas as respostas sempre continuarão a surgir de conhecimentos advindos de diferentes técnicas e áreas de especialização.